segunda-feira, 28 de março de 2011

Manifesto Antroporevoltante

“Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.[...]

Perguntei a um homem o que era o Direito.

Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade.”

Mário de Andrade

Publicado na "Revista Antropofagia" (1928), Manifesto Antropofágico propunha: alimentar-se de tudo o que o estrangeiro trazia para o Brasil, sugar-lhe todas as ideias e uni-las às brasileiras, realizando assim uma produção artística e cultural rica, criativa, única e própria. Mas o que move este manifesto não é essa ideia de alimentar-se do estrangeiro, mas sim com relação ao escrito no original de Mário de Andrade quando o mesmo se refere ao direito que o ser humano tem e das possibilidades que o mesmo lhe sugere. Partindo desse pressuposto o manifesto que faço mostra a insatisfação de um professor quanto à postura do aluno e do sistema educacional vigente. Nunca pensei que um educador que é comprometido com a sua árdua tarefa pudesse estar propenso a ser tão humilhado a ponto de sentir o desejo de sair da sala de aula. O descrédito neste profissional que dedica o seu tempo a planejar, preparar, motivar, ensinar, corrigir, advogar, aconselhar e outras atribuições que desempenha sem, inclusive, ser pago por isso, mostra como é visto este indivíduo que é tão pouco respeitado pela grande maioria.
É até lugar-comum dizer que todas as profissões passam pelas mãos do professor. Nunca pensei que o desrespeito que a sociedade tem com os professores poderia se estender a até mesmo dentro do ambiente escolar, na nossa casa. Infelizmente, dessa forma, acaba-se perdendo a fé no homem. As escolas chinesas têm a particularidade de exigirem dos seus alunos um comportamento extremamente ordeiro. Por muito pouco uma aluno ou qualquer civil que faltar com o respeito com quem lhe ensina é punido severamente, podendo até perder o direito à educação. Citar esse exemplo pode até ser considerado piegas, mas no Brasil, como se tenta e na maioria das vezes não se consegue, talvez o que falte é realmente um discurso mais apelativo. Implorativo, eu diria.
O que antes víamos apenas pela TV se tornou comum na nossa cidade. É triste dizer que a escolar se tornou um campo de batalha. Esta luta não é apenas entre gangues rivais, nem tampouco contra o craque, a cocaína, a prostituição que têm perturbado nosso espaço. Mas muitas vezes é uma luta contra o próprio professor. Pessoas de má índole têm se levantado com agressões verbais e até físicas a esse profissional que busca trabalhar para a mudança de uma comunidade. A maioria dos outros profissionais recém formados pensam em mudar o mundo, com pouco tempo perdem essa ideia, pois se veem impotentes perante as situações. O professor é o único que não perde esse pensamento. Pois o dia em que perder, afasta-se da educação. Preocupo-me, pois já estou há nove anos no magistério, é um tempo razoável, porém é pouco pelo que ainda resta de trabalho. Apesar de que o professor quase nunca descansa, pois na maioria dos casos aposenta-se com doenças coronárias, problemas de coluna, calos nas cordas vocais ou com algum problema psicológico ou psiquiátrico. E acreditem, não é profecia.
Um recente estudo de um sindicato de professores brasileiros apresentou pesquisa inédita sobre os professores da rede pública e privada no Brasil.

(...) assédio moral [grifo nosso] como o fator que causa maior sofrimento e desgaste no seu trabalho. Quarenta e cinco por cento (45%) dos entrevistados referiu sofrer problemas de saúde física ou mental em decorrência do meio ambiente de trabalho. Setenta e oito por cento (78%) apontou o cansaço e o esgotamento, principalmente no início dos períodos letivos, finais de semestre e final do ano. Cinquenta e nove por cento (59%) referiram dificuldade para dormir. E, vinte por cento (20%) dos professores usam antidepressivo.
Trabalhar sentindo dor é considerado comum para oitenta e cinco por cento (85%) desses professores, que citaram dor de cabeça, braços, pés, pernas, ombros, costas e cordas vocais. Os problemas de saúde mais comum são: rouquidão e perda da voz (49%), tendinite e problemas nas articulações (44%), enxaquecas (33%), gastrites (27%), obesidade (23%), hipertensão (19%) e câncer (2%).
Deise Vilma Webber – Advogada do Sindicato dos Professores de Caxias do Sul - SINPRO
Disponível em: [link] Acesso em: 14 abril 2010.

Esses dados são alarmantes e preocupantes, mas mesmo assim, penso que este manifesto possa se perder no tempo. Pode ser comentado por alguns, ser motivo de revolta ainda maior para outros, pode servir até de chacota para alguns sem coração. É triste que muitos tenham se esquecido de como viver em sociedade. Que a interação, a experiência e o respeito são o maior aprendizado que podemos adquirir. O agressor que não leva em consideração que a boa educação não é virtude, mas sim uma obrigação, se esquece de que o direito e o dever estão numa linha muito tênue e que aquela ideia de que o meu direito termina quando começa o do outro não é arcaica nem tampouco retórica.

Escrevo não para que sintam compaixão dos professores, mas que sirva de reflexão. Na verdade encarem como queiram, pode ser até um desabafo frente aos últimos acontecimentos nos quais me senti lesado. Mas que acima de tudo seja mais um ensinamento. E depois, não digam que
não fiz a minha parte. Fim da lição!

Um comentário:

Luciano Dutra disse...

Escrevi este texto ano passado, quando passava por um momento extremamente difícil na escola. O mesmo foi lido em assembleia ordinária da Câmara Municipal e vinculado em períódicos do Município de Iúna. É sempre bom lembrar, é por isso que publiquei. Abraço, "balance a cabeça, leitor". Acorda para cuspir, já está babando no travesseiro!